Na casa velha do meu avô, tudo tem cara de coisa velha.
Os móveis são velhos, os azuleijos da copa são velhos, o chão de mandeira da sala é velho e nos lembra disso quando range aos nossos pés. (Se seu ruído se prestasse a alguma espécie de decodificação, certamente traduziria as mais belas histórias que esse chão já suportou e testemunhou.) E entre todos esses tesouros lindamente velhos, que guardam em silêncio mistérios de muitas gerações, estão os interruptores dos quartos de dormir.
São diferentes de qualquer outro interruptor que eu tenha visto, em qualquer outro lugar do mundo. Funcionam por um peculiar mecanismo de gangorra: empurra-se para dentro o cilindro saliente, que se retrai ao mesmo tempo em que o outro se levanta, acendendo-se ou apagando-se a luminária.
Uma das recordações mais arcaicas que mantenho da minha infância é a de esticar todo o meu corpinho, desastradamente equilibrado nas pontas dos pés, e concentrar toda a minha força na extremidade do meu dedo indicador, tentando alcançar e empurrar o maldito cilindro preto. Esse esforço extremo nem sempre era suficiente, de modo que eventualmente eu me via obrigada a apelar para o triste reconhecimento da minha pequenez, buscando uma cadeira onde eu pudesse subir, conformada, para enfim antingir minha meta.
Recentemente, parei por alguns segundos diante de um desses interruptores e me dei conta, para o meu sincero espanto, de que eles não se situam a mais de um metro do chão. Naqueles momentos fatídicos, em que me parecia árdua a simples tarefa de acender a luz, minha altura era inferior à de cem míseros centímetros. E com um metálico sorriso invisível, meu antigo adversário caçoava de mim – uma pobre-coitada resignada à escuridão, buscando refúgio sob um frágil escudo de cobertor, inofensivo contra o terrível bicho-papão que habitava o canto mais sombrio do quarto.
*Foto: Carolina Baltar