Era uma vez uma mulher que andava a cavalo pela floresta.
Movido por uma sede repentina, o cavalo adentrou tranquilamente um riacho, ignorando um grande risco: o singelo córrego de águas serenas se transformava, a poucos metros dali, numa feroz e turbulenta cachoeira.
Vítima de uma rasteira do destino, o animal escorregou, perdeu o equilíbrio e tombou junto com sua amazona. O resultado do acidente foi fatal: cavalo e mulher despencaram trinta e cinco metros cachoeira abaixo, ao encontro de uma morte instantânea.
Não sei direito por quê, minha avó cismava em contar e recontar essa história, sempre que íamos passear na Floresta da Tijuca e nos detínhamos diante da bela e poderosa Cascatinha Taunay. Suponho que o acontecimento tenha ganhado grande repercussão à sua época. Para mim, converteu-se num mito, numa narrativa descompromissada com qualquer pretensão de verdade factual, a qual repito às pessoas que eventualmente visitam a cachoeira ao meu lado.
Quem seria essa mulher? Eu nunca soube sequer seu nome, mas a imaginava bonita, de cabelos castanhos e cacheados. Elegante como uma princesa, embora vestindo um traje de montaria, com uma calça comprida e um par de botas pretas. Um pouco melancólica e distraída, sonhando com seu príncipe encantado, duvidando se os sentimentos dele corresponderiam ou não ao seu amor.
Certamente advinha da antiga hípica que existia na floresta, agora desativada. Pelo olfato imaginário da minha memória, ainda sinto o cheiro do local: um misto de suor e excrementos, resultando num odor curiosamente agradável. Aroma de férias na fazenda.
Meus primos e eu gostávamos de levar torrões de açúcar para dar aos cavalos. Cada torrão vinha embalado num papel onde se via estampado o nome da marca “Pérola” e o desenho tosco de uma ostra aberta expondo um glóbulo branco em seu interior. E cada torrão era de fato uma pérola: tínhamos que despi-lo do invólucro para acessar seu precioso conteúdo oculto e oferecê-lo àquela enorme boca peluda. Expirando um jato de ar quente pelos lábios roliços, ela roçava na minha mãozinha estendida, molhando-a levemente de saliva e provocando-me um imediato reflexo de recolher o braço com um gritinho agudo, num daqueles sustos gostosos que criança adora sentir. Eu vislumbrava, maravilhada, a imponência daquele bicho – tão grandioso e, no entanto, tão parecido comigo. Pois eu também adorava os torrões de açúcar: a cada cubinho que oferecia, eu retinha e devorava três.
Poucas coisas na infância me parecem tão preciosas quanto a liberdade de se comer açúcar – sim, caro leitor, açúcar puro – sem sentir culpa, paranoia ou qualquer outra sensação que não seja prazer.
*Foto: Camila Faria